Nos bastidores da segurança da informação, alguns conceitos técnicos se repetem à exaustão: falso positivo, falso negativo, confiabilidade do SIEM, correlação de eventos, base de regras. Mas há um ponto cego que raramente ganha o destaque que merece: a falsa sensação de segurança — ou, como propomos aqui, o falso seguro.
Essa tríade — falso positivo, falso negativo e falso seguro — forma o que podemos chamar de tripé da ilusão. Cada uma dessas falhas, quando não compreendida ou tratada, compromete não só os controles técnicos, mas também a cultura de segurança da empresa.
1. O falso positivo: quando o alerta não é real
O falso positivo ocorre quando um sistema de segurança acusa uma ameaça inexistente. É o alarme do carro disparando sem motivo. Um IP legítimo que é bloqueado. Um antivírus sinalizando um arquivo inofensivo como malware.
O impacto prático dos falsos positivos é bem conhecido:
- Drenam tempo e energia da equipe;
- Distorcem a percepção de risco real;
- Reduzem a confiança nos alertas legítimos;
- Podem levar ao hábito perigoso de ignorar notificações.
Ambientes com excesso de falsos positivos se tornam ruidosos e exaustivos. O time começa a “filtrar mentalmente” os alertas, e isso abre caminho para que o segundo membro do tripé entre em cena.
2. O falso negativo: quando a ameaça passa despercebida
Aqui, o problema é o oposto: uma ameaça real ocorre, mas não é detectada. O sistema não alerta, ninguém investiga e a organização permanece vulnerável — até que o impacto se manifeste.
Exemplos comuns:
- Um ransomware que usa técnicas ainda não reconhecidas pela base de assinaturas;
- Um acesso indevido mascarado como comportamento legítimo;
- Uma movimentação lateral lenta e silenciosa que se estende por semanas sem gerar alerta.
Falsos negativos são letais. Representam brechas silenciosas que enfraquecem toda a postura de segurança, mesmo quando tudo “parece” estar funcionando.
3. O falso seguro: a ilusão mais perigosa
Se os falsos positivos atrapalham e os falsos negativos expõem, o falso seguro engana.
É o momento em que a empresa acredita estar segura:
- porque há políticas formalmente definidas;
- porque os dashboards indicam “zero incidentes”;
- porque o fornecedor garante que está tudo sob controle;
- porque nunca aconteceu nada grave até hoje.
Mas essa sensação de segurança não vem de evidências reais — vem da ausência de ruído, da inércia dos sistemas ou da confiança cega em ferramentas mal calibradas.
Esse é o ponto mais perigoso.
O que causa o falso seguro?
- Monitoramento superficial: ferramentas ativas, mas mal configuradas ou com escopo limitado.
- Métricas irrelevantes: foco em números de alertas, sem investigar a qualidade ou a cobertura real.
- Falta de testes proativos: ausência de simulações de ataque, red team ou validações reais dos controles.
- Cultura de complacência: a crença de que “se não apareceu nada, é porque não há nada”.
Empresas que vivem sob essa ilusão tendem a ignorar melhorias, atrasar atualizações críticas e negligenciar investimentos em prevenção. Isso cria um ambiente vulnerável que parece, falsamente, controlado.
O elo com a cultura de segurança
Mais do que uma falha técnica, o falso seguro é um reflexo direto da imaturidade cultural em segurança da informação.
É a consequência de uma postura passiva, onde a ausência de incidentes é interpretada como sucesso — quando pode, na verdade, ser apenas ausência de visibilidade.
Em ambientes maduros, a ausência de incidentes não é motivo de alívio, mas de questionamento:
- Estamos realmente enxergando o que importa?
- Os controles foram testados nos últimos meses?
- O que estamos assumindo como verdade — e que pode estar errado?
Superando o tripé da ilusão
Nenhum ambiente estará completamente livre de falsos positivos ou negativos. Mas é possível reduzir seus impactos e evitar o falso seguro com ações estratégicas:
- Testes contínuos de eficácia (red team, pentest, simulações adversas);
- Auditorias técnicas independentes (terceiro olhar);
- Revisão periódica de regras, alertas e KPIs;
- Treinamento da equipe para leitura crítica dos dados;
- Incentivo à cultura de desconforto construtivo (não aceitar o “parece tudo bem” como resposta suficiente).
Conclusão: segurança real exige desconforto
A maturidade em segurança da informação não se mede pela calmaria, mas pela capacidade de antecipar tempestades.
Falsos positivos irritam.
Falsos negativos assustam.
Mas é o falso seguro que paralisa — porque faz parecer que não há nada a temer.
Se sua empresa está confortável demais com os números, talvez seja hora de perguntar:
Estamos seguros — ou apenas anestesiados?